ESTADO ISLÂMICO DEVERIA APRENDER COM TINARIWEN

06/03/2015 18:38



Existe uma banda musical, originária do Mali, chamada Tinariwen. Estão rodando o mundo. Realizam
turnês na Europa, Estados Unidos e este ano estarão na América Latina. Já estiveram no Brasil em 2011. Sua música não é nada convencional, misturam o lamento do deserto com o som das guitarras.


A temática do grupo é mostrar como é possível lutar sem pegar em armas. O surgimento do grupo remete aos conflitos da década de sessenta no Mali. Bruno Picchi (mestre em geografia pela UNESP), escreveu um artigo sobre a banda em que ele apresenta o seguinte esclarecimento: "De um lado a guerra civil do Mali, país arrasado da África Ocidental, que, desde sua independência, em junho de 1960, assiste a sucessivos golpes de Estado e rebeliões étnicas resultantes do processo de colonização francesa no século XIX, quando diferentes povos foram unificados sob um único território artificial. Do outro lado, destacam-se músicas que começam com prelúdios em solos de guitarra lentos e estendidos, fundidas com batidas tradicionais e hipnóticas, evocando influências berberes e marroquinas, em que cantos masculinos envolventes são acrescidos de um par de vozes
femininas que lançam sons agudos e lamentosos."


O continente africano começou a ter interferência europeia no século XIX, e sua partilha foi concretizada após a
Conferência de Berlim entre novembro de 1884 à fevereiro de 1885. A neocolonização do Mali ficou a cargo da França, se tornando independente em 1960. Depois da independência, surgiram novos conflitos, internos e externos. Dentre os povos oriundos do Mali, os tuaregues são os mais conhecidos. Este grupo teve
ampla participação na luta contra os regimes autoritários que se formavam no Mali. Entretanto, muitos se viram obrigados a sair da sua pátria e se refugiarem na Líbia e Argélia. Como refugiados, foram alistados para o exército de Muamar Khadafi nos anos de 1970. Foram preparados para a guerra e conquistar novos territórios do Chade e Níger para serem controlados por Khadafi. Mas a intenção de alguns homens da cultura Mali, conhecidos como tamashek, passou a ter novos objetivos. Queriam a liberdade e independência; queriam a dignidade do seu povo e melhoria nas condições sociais. Já tinham lutado em sua terra e desejavam que os povos do Mali se unissem por um ideal que não derramasse mais sangue. Foi neste contexto em país de refúgio que malineses resolveram se unir por um único ideal: mostrar as necessidades do seu povo ao mundo, sem armas, e sim, com guitarras.


Na década de 1980 três amigos Intiyaden Ag Ablil, Ibrahim Abraybone e Alhassan Ag Touhami, formaram o grupo musical Tinariwen. Ibrahim, líder da banda, perdeu seu pai no conflito de 1963. Quando não estavam em treinamento, aproveitavam o descanso para compor canções que retratavam os problemas políticos, econômicos e sociais do seu povo. Quando retornaram para Mali, sem as kalashinikovs, foram presos,
pois eram vistos como guerrilheiros e as autoridades sabiam que foram preparados para conflitos armados.

Somente em 1992, após a assinatura do pacto nacional concedendo autonomia aos tuaregues, que Tinariwen floresceu musicalmente. Sua proposta então se realizava: música para declarar ao mundo as questões do sofrimento do seu povo. Nada de armas, sangue, ataques terroristas para mostrarem suas insatisfações.
Nada de homens bomba ou formação de grupos extremistas islâmicos com propósito de matar os ocidentais. As guitarras se tornaram suas armas, as melodias seus lamentos e as letras suas reivindicações.


Os integrantes do Tinariwen são muçulmanos praticantes e suas vozes são ouvidas por todo mundo. Onde passam é sucesso. São 6 cd's gravados e participações de músicos renomados. Robert Plant, Carlos Santana, Bono Vox, Red Hot Chili Peppers, são alguns dos que já estiveram dividindo os palcos com Tinariwen. O
último cd Emmar, foi gravado nos Estado Unidos e contou com a participação de Josh Kinglhoffer, Fats Kaplin, Matt Sweeney e Saul Willians. A luta deste grupo não é em vão. O Mali hoje é um dos países africanos que melhorou sua economia e tem reduzido a pobreza.


Pensando nas atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico em conquistar seus objetivos essenciais à vida humana, suas armas só fazem destruir museus e vidas inocentes. Eles deveriam repensar seus atos e aprenderem com Tinariwen. Este, certamente sabe o que está fazendo, além de encher o mundo com boa música e poesia. Pura arte. Pura vida.