NOS TEMPOS DE AL-GHAZALI

08/03/2015 15:52


            AL-Ghazali, foi um filósofo árabe do período do Islã Clássico. Preferimos utilizar este termo à Idade Média, que é mais voltada para os acontecimentos no Ocidente.

            Ghazali nasceu no ano de 1058 em Tus, cidade persa. Foi um erudito, profundo conhecedor das ciências da sua época e um dos grandes representantes da ortodoxia islâmica. Esta ortodoxia tinha passado por períodos conturbados devido a forte presença racionalista no meio islâmico, difundido principalmente por teólogos asaritas.

            O sistema filosófico de Al-Ghazali exerceu forte influência no meio latino medieval. Entretanto, Al-Ghazali não queria fazer parte de um quadro de filósofos muçulmanos com características semelhantes aos demais de discutir o princípio da vida e elaborar tratados religiosos. Ele se voltou para refutar os filósofos, que ensinavam certas doutrinas contrárias aos dogmas da fé islâmica. Sua máxima expressão que o permitia refutar a filosofia clássica tem o seguinte tom:


"Aprendi que refutar uma doutrina (madhah) antes de compreendê-la e conhecê-la a fundo  é caminhar às cegas. Levei muito a sério o estudo desta ciência nos livros [...] Após ter compreendido essas ciências [...] dei-me conta, sem qualquer dúvida, da mentira, do engano, da verdade e do fingimento que elas

contêm". (O Islã Clássico, pag. 179).

           

              Parece que Al-Ghazali estava de mal com o mundo filosófico, mas o contexto da sua época e as muitas doutrinas que o islamismo recebeu de muçulmanos estudiosos, elevaram o tom da sua análise. Buscou interpretar o máximo da filosofia islâmica à luz do Alcorão e Sunna. Sua construção filosófica também é motivada pelo momento de diversidade de crenças, seitas, doutrinas, religiões e na divisão da comunidade muçulmana, que chegara a 73 grupos. Grupos com ideais, construções doutrinárias e ensejos políticos que geraram numerosas facções no islamismo. AL-Ghazali foi um estudioso altamente requisitado, dominava o Direito, Teologia e Filosofia, como poucos. Se tornou professor em Bagdá em 1091, se destacando pela sua capacidade dialética, lucidez e erudição. Mas nem tudo ocorreu como esperado. Aconteceram graves incidentes políticos em Bagdá, com o assassinato de seus mentores, Nizam
aL-Mulk, e dias depois, o sultão Malik Sah.

              Esses assassinatos foram provocados por ismaelitas que desejavam dominar o poder na região. A força política-religiosa dos xiitas ismaelitas era avessa a qualquer liderança que não seguissem as suas doutrinas. Não era uma motivação unicamente religiosa, a interpretação corânica dos ismaelitas lhes autorizavam a seguir o caminho do terrorismo fanático para realizar seus objetivos políticos. Dominar politicamente trazia mais poder e riquezas. Os seus adversários políticos - não importavam se eram muçulmanos, ou seja, da mesma fé - se tornavam alvos de tensos conflitos. Na lista dos que caíram sob a mão os ismaelitas, citamos: Nizam Al-Mulk, vizir do sultão seljúcida; Barkyaruq, sultão seljúcida; o governador de Isfahan; Fahr aL-Mulk, protetor de Al-Ghazali.

              Na via contrária, Al-Ghazali entrou na defesa da doutrina sunita, expondo os erros doutrinários dos ismaelitas e suas reais intenções. Sua luta voltou-se para refutar o arcabouço doutrinário e filosófico de um dos grupos ismaelitas, os batiniyyas, os mais influentes entre os xiitas. AL-Ghazali que aprendera a refutar filosofias, passa a pesquisar estes grupos e provar sua descaracterização do islamismo tradicional, que vinha carregado de objetivos políticos.

              Nos tempos de Al-Ghazali, as lutas contra o fanatismo religioso, as muitas teologias corânicas e assassinatos de líderes muçulmanos, expõem os problemas enfrentados no mundo islâmico que se assemelham aos eventos atuais, principalmente os que são provocados pelo Estado Islâmico. AL-Ghazali procurou se reclusar assim que os seus mestres foram mortos. Buscou compreender a fé pela prática ascética e viveu por 10 anos entre os sufistas. Se cansou das contradições dos teólogos e filósofos muçulmanos que usavam a religião para expor suas reais intenções. Retornou ao cenário da academia em 1106 a pedido de Fahr al-Mulk, filho de Nizam al-Mulk. Neste período escreveu sua autobiografia e outras obras sobre Direito Islâmico e lógica. Morreu em 18 de dezembro de 1111 e foi sepultado em Al-Tabaran, fortaleza de Tus.

              Seu legado contribuiu para suscitar novos filósofos e aperfeiçoar a doutrina islâmica, que de tempos em tempos é sacudida internamente pelas mais variadas formas de interpretar o Alcorão. Nada novo debaixo do sol.


ABRAHAMOV, Benyamim. Al-Ghazali's Theory of Causality. Studia Islamica. 1988.

GUERRERO, Rafael Ramón. Al-Gazali: A Defesa do Islã Sunita. (in) Pereira, Rosalie Helena de
Souza. O Islã Clássico: itinerários de uma cultura. São Paulo: Perspectiva, 2007.

IBN BATUTA. A través del Islam. Trad. Serafin Fanjul y Federico Arbós. Madrid: Alianza Editorial, 1987.

WATT, W. Montgomery. Muslim Intellectual. A Study of al-Ghazali.
Edinburgh: at the University Press, 1963.